domingo, 28 de fevereiro de 2010

TEMPESTADE SOB O EQUADOR


Entrou no quarto do hotel já tirando a gravata, o terno, soltando os cabelos. No chuveiro, cantarolou uma música do Elvis. Colocou uma bermuda estampada que trouxera do Havaí, a camiseta vermelha do seu time de vôlei em Stanford; estreou as havaianas, apreciou o resultado no espelho. Começou a treinar o português: “Chega de business, agora ser turista”. Tinha vindo para a reunião da subsidiária brasileira da empresa, não ia perder essa chance de curtir o Rio de Janeiro, sonho acalentado desde criança.

Passeou pelo jardim do antigo palácio presidencial, quase em frente ao hotel. Subiu para ver as coisas do presidente que se suicidou - revólver, pijama furado - novidades para ele, pois em seu país presidentes não se suicidam, são assassinados. Encantou-se com o museu do folclore. Quanta coisa diferente! Queria conhecer todos aqueles lugares, ver de onde vinha artesanato tão variado.

Quando saiu, o susto: o céu de repente desabou, o mundo virou de cabeça para baixo, parecia ter entrado num redemoinho de tempo e espaço. As pessoas correndo; um senhor tentando manter na cabeça o boné da polícia de NY (NYPD); um menino com a camisa do Barcelona patinando nas poças; vendedores de guarda-chuva aparecendo em cada esquina, sob cada marquise. “Where do they come from?”

Pensou em ajudar, mas não precisavam: muitos riam, alguns xingavam, provavelmente culpando o governo ou a má-sorte. Notou uma aglomeração no bar em frente, foi buscar refúgio lá. Na tevê, um jogo do time deles, a julgar pelas camisas, todas listradas de vermelho e preto. Cada um que entrava, mesmo que só para se proteger, como ele, começava logo a gritar, torcer, gesticular.

Pôs-se a imitar os nativos, e imediatamente se enturmou. A algazarra o envolvia como a colcha de retalhos da avó, o aquecia. Pediu uma “caipirinha” no seu melhor português, depois já estava partilhando cerveja com todo mundo; o copo sempre cheio, mesmo que não pedisse. Aprendeu rápido várias expressões idiomáticas: “Juiz ladrão!” “ Filho da puta!” “Porra!” “Caralho!” (Mastigando amendoim nem se notava o sotaque...)

No final do jogo, a chuva tinha amansado. Um homem lindo, que ele disfarçadamente observava desde o primeiro gol, embevecido com os meneios e sorrisos, deu-lhe um tapa nas costas:

- Camisa maneira, bro!

- O seu também, bro!

- Quer trocar? (e foi tirando a camisa, exibindo parte do corpo escultural, se é que se fazem esculturas em ébano).

Superou a vergonha de mostrar o torso sem cor, embora também musculoso,tirou a camisa , vestiu a do outro. Suspirou ao sentir o cheiro forte. Quando saíram do bar, estavam íntimos, se escorando um no outro, cantando ritmadamente “Men-go! Men-go!”

Foram para um hotel na Mem de Sá, que o outro sugeriu. Nem falou do hotel onde estava. “Afinal, ser gringo e viado mas não ser burro”, pensou (já estava pensando em português). Na porta, lembrou quando o comandante do avião, no meio da viagem, avisou que estavam cruzando a linha do Equador. Deu uma gostosa gargalhada, e berrou:

- Agora eu cruzar Equador!


RJ, março 2009

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